Comida que vem de onde?

É comum ouvir no dia-a-dia, em diálogos descontraídos sobre alimentação que se “for se preocupar com tudo o que se come, aí não se come mais nada”. É um discurso repetido com tanta frequência que até parece uma estratégia econômica para silenciar as discussões que envolvem comida.

São tantas informações contraditórias – sem esclarecimentos – sobre alimentação e saúde que são bombardeadas diariamente pela mídia, de forma que é compreensível a impotência dos comensais. Contudo, enquanto se fica nesse debate nutricional, outras questões sobre a comida são esquecidas pelas capas de revistas.

De onde vem a nossa comida? Quanto maior a urbanização, maior a distância do ser humano com o meio rural e, essa desconexão com o campo, é possível ser percebida, por um exemplo simples, em que consumo do leite está desconectado da raiz e não se percebe como originado de vacas, mas sim proveniente de caixinhas expostas em prateleiras de supermercados. E, mesmo que se tenha a consciência de que vem de vacas, qual é a qualidade de vida desse animal? E a natureza desse leite, até que ponto é leite e até que ponto se tornou uma mistura química ultraprocessada?

Também se exemplifica pela polêmica do programa de culinária “Tempero de Família”, em que o apresentador Rodrigo Hilbert grava o abate de um carneiro. O episódio repercute comentários negativos nas redes sociais, o que ressalta o distanciamento do consumo de carne com a sua origem. Além disso, a oferta de alimento nos supermercados é constante, o que causa o distanciamento do alimento à natureza, o consumidor perde a noção de sazonalidade.

É notório que a comida é a base da sobrevivência e essencial para o funcionamento do organismo humano, mas já existem outros sentidos relacionados ao comer, como políticos e ideológicos, qualidades organolépticas – aquelas que são percebidas pelos sentidos humanos -, fatores econômicos, culturais e sociais. Assim, não se desmerece o debate nutricional, mas se sugere o questionamento sobre a intenção dessas notícias sobre superalimentos e dietas da moda: o que resulta na desconexão da comida com a saúde e com a real nutrição, relação que já era prevista por Hipócrates, pai da medicina, que diz para que o alimento seja o próprio remédio.

Também como consequência, há a relação da nutrição com as questões do corpo e a pressão estética, que atingem principalmente as mulheres, reforçam e o distanciamento da comida com a saudabilidade, já que a obsessão pelo emagrecimento ou por determinada forma física converge a patologias psíquicas como distúrbios alimentares.

Com esses pontos expostos: campo, cidade, padronização, sazonalidade, nutrição, saúde…. A sensação é do primeiro parágrafo: mas e agora? Não se come mais nada? Não. Esse é o ponto. Não se sugere que o mundo seja carregado nos próprios ombros, nem soluções imediatas, mas reflexão. Mas que, dentro do alcance de cada um, seja possível o questionamento e a adaptação de acordo com as ideologias, sabores, questões econômicas, culturais e sociais individuais para que alguma mudança possa ser feita.

Algumas ideias são comprar diretamente do produtor – buscar feiras (preferencialmente orgânicas e agroecológicas), saber de onde o alimento vem, como é produzido, em qual estação; ler os rótulos de produtos dos supermercados, o local de origem, quanto esse produto percorreu pra chegar nessa prateleira?; cozinhar mais, para se ter conhecimento do que realmente está sendo colocado no prato. Mas, aos poucos vamos falando de soluções. Ainda assim, sou otimista.

Luíza Tavares é jornalista, estudante de nutrição, voluntária do Slow Food, ama cozinhar – da forma mais natural possível – e acredita que a comida deve ser sinônimo de liberdade.