- Mateus de Albuquerque
O Xis-Temer
Você entra no estabelecimento. Limpo. Paredes brancas tal qual o principal produto
santa-mariense (farmácias ruins). Senta na cadeira de plástico onde as pernas fazem
gostosas parábolas ao aguentar o seu peso de três dígitos. Pega o cardápio de plástico
vagabundo e mal diagramado. Você se sente tal qual um guepardo do National
Geographic saltando sobre a traseira de um cervo. Afinal, é um predador e nada pode te
separar da sua presa: você tem fome de xis.
A fome de xis é um mal que acomete a todos os santa-marienses. Sem populismos
baratos, geralmente está relacionado às coisas simples de um xis. Ninguém tem fome de
xis filé-com-chedder (a grafia errônea é mais bonita). Ou mesmo de xis doce, polêmico.
E muito, muito menos do indigesto Pancho-no- pão-de- xis (uma das muitas ideias ruins
da infértil gastronomia boca-do- montense). A fome de xis é a fome por um pão
quentinho, douradinho, que faz um delicioso croc ao encostar o garfo (Come na mão?
Sem problema! Tem pra todos). Uma maionese cremosa e que não sobrepõe o sabor ao
resto do prato. Um ovo bem passado, mas sem estar queimado. Vejam, nem a carne aqui
é prioridade. A fome de xis é absurdamente democrática.
Eu particularmente tiro o milho e o catchup. Nada contra as iguarias. Milho na espiga
com manteiga derretida é melhor que muitas modalidades de sexo. Catchup vai bem
com muitas coisas que eu, particularmente, tenho vergonha de escrever aqui. Apenas
acho que ambos se sobrepõem à harmonia do prato. Falando em harmonia, voltemos ao
causo: pedi o tal do xis, num lugar novo que tava querendo experimentar. Como
descrito no primeiro parágrafo, tava tudo nos conformes. A atendente (que por acaso
também é caixa, cozinheira e proprietária: correto) me serve já com olhar de piedade,
um mau sinal.
Ao morder, me deparo com uma cena deprimente: um pão amolecido, daqueles que foi
prensado por tempo insuficiente e serviu apenas para amassar o que tava ali dentro.
Uma alface que soltava água suficiente para resolver a crise do Cantareira em 2014.
Tomate verde a La Daniel Day-Lewis. Bife desmanchado de guisado sem liga. Ovo
queimado nas bordas. Bacon meio cru (o tal de sushi de porco, moda em São Paulo).
Um horror, um pesadelo, terrível em muitos sentidos. Percebam: o cenário inteiro estava
favorável para uma boa refeição de Santa Maria, mas o erro nas coisas básicas não pode
ser perdoado. Aí, meu amigo, não importa se você é vegetariano, carnista, macrobiótico,
judeu, trekkie ou fã do Carpinejar: xis ruim ninguém merece.
Aquele xis tinha um sabor. Era o Xis-Temer. Mesmo os que apoiaram a retirada de
Dilma Rousseff, por razões variadas, e sustentavam o governo de Michel Temer, por
razões igualmente variadas, hoje já não conseguem mais se vincular a este. É um
governo que não entrega seu pão crocante e sua maionese cremosa: o mínimo de
honestidade pública e bons resultados na economia. Não foram esses, afinal, os
baluartes de sustentação da saída de Dilma? Xis ruim não agrada ninguém. Michel
Temer tampouco.
Resta saber se esses ideários (os da moralidade e da estabilidade econômica) são
universais ou apenas justificativas para a manutenção de um determinado tipo de
política que, convenhamos, Dilma já pretendia adotar e Temer está adotando mais
rápido, com suas reformas. A tal “defesa das reformas” pode ser pra população só mais
um acompanhamento (para uns, mais murcho que para outros), mas para a classe
política tem soado como o grande definidor para a manutenção ou não ao lado de
Temer.
E o nosso pãozinho? E a nossa maionese? A cozinha jogou pro fim da espera. A
prioridade é a batata frita deles. Com muito sal, por favor.
Mateus de Albuquerque é jornalista e cursa mestrado em Ciências Sociais e membro-
fundador do BOCA Jornalismo. Gosta da política discutida nos bares (por que boteco é
muito chique) e vai tentar reproduzir isso nesse espaço. Acredita que é nessas
acrópoles modernas, despidas de terno e gravata, que a política e debatida sem suas
maquiagens habituais. A conta é por vocês.
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